Thimeras

Thi em suas quimeras, em seu mundo. O mundo de Thimeras

O Pote

Por: Thiago Cardoso
 

Quando abri o pote, percebi que estava vazio.

Coloquei-o na mesa e olhei atentamente; pensei por um instante em como poderia estar vazio, por que estaria?
Festas, dinheiro, amigos...  amigos?
Rapidamente percebi. Não era nada disso e era isso que esvaziou ou impediu que se enchesse aquele recipiente, aquele potinho rústico em minhas mãos, muito singelo, com uma escrita, uma palavra,  um anseio... FELICIDADE.

Como havia de ser preenchido se tudo era artificial? A felicidade não pode ser fabricada com essências, sabores, aromas e cores artificiais. É artesanal, um produto extraído de forma natural; é conquistado, não é comprado. É profundo, não superficial, é ser e não simplesmente estar. É mutável, tem suas variações de intensidade, por isso necessita de cuidados especiais, pois é perecível, pode ser finito, se não for devidamente cuidado.

Não cultivei felicidade, comprei diversão em liquidação, por minutos finitos e nada mais. Fidelizei-me a um plano de créditos, um sistema pré-pago de diversão, limitada a minutos e momentos vazios, vazios da verdadeira felicidade, de verdadeiras pessoas, do verdadeiro eu.

Na outra ponta estava um recipiente que nunca vira antes. Pelo jeito estava ali há um bom tempo, mas não o percebera antes – e olha que era grande. Em letras tão miúdas que quase necessitei de uma lupa para poder ler, estava a escrita FUTILIDADE. Entrei em choque; o pote da felicidade escorregou da minha mão  e caiu no chão, se desfazendo em mil pedaços. De maneira tão sutil quanto a escrita naquele enorme pote, ententdi que eu era maestrado pela senhora futilidade, sem me dar conta disso. Num ato de fúria agarrei aquele pote e atirei-o contra a parede, mas não se quebrou. Ao contrário da felicidade, a futilidade não se quebra, não se despedaça. Teria de ser drenada, evaporada. Sim, o calor da verdadeira felicidade e do viver de verdade, evapora o que é fútil, encarrega-se de carregar este mal para outros horizontes. Mas para isso eu deveria fazer uma mudança, purificar-me e buscar a essência, negar a mim mesmo, livrar-me do único veneno que existia dentro de mim, o veneno chamado eu. Era isso o que deveria fazer e estava decidido a faze-lo, quando de repente surge uma bela moça trajada de branco ao meu lado, um ser lindo, perfeito, estonteante, um anjo. Com muita doçura censurava minha nova decisão e meus próximos atos, massageava meu ego de maneira única e quando me teve totalmente em seus braços, com lágrima nos olhos - que estavam fixos nos meus a apenas 7 centímetros de distância - anunciou que estava prestes a perecer. Só não pereceria se eu voltasse atrás. Apareceu a mim quando percebeu o que eu estava prestes a fazer. No momento em que arquitetei negar a mim mesmo e opor-se ao meu eu, declarei o breve fim da vaidade, este formoso ser que só tem formosura aos nossos próprios olhos, pois, nos entorpece e manipula, pintando cores que não existem. A vaidade era tão linda, falava coisas tão bonitas sobre mim, elevava meu ego, como poderia deixar este anjo morrer?

É uma farsa! - Disse uma voz vinda de trás. Me virei e um ser nada delicado, o oposto da vaidade, me encarava e me reprovava, dizia-me para não dar cabo àquele ser belo e majestoso que agora não me tinha mais em seus braços, mas estava sentada, olhando para o chão, como alguém que se envergonha e não tem coragem de erguer a cabeça diante da razão; a razão que expõe seus atos inconseqüentes, atos que tem um único objetivo, beneficiar a si mesmo.

A razão passou por mim com sua postura imperial, agarrou a vaidade por um dos braços e a fez olhar firmemente em seus olhos. Toda beleza da vaidade começou a perecer diante demim e ela se tornou um ser decadente. Segundos depois, com os olhos ela me contou as atrocidades que, em companhia do egoísmo – seu fiel companheiro – havia cometido, os planos em que manipulou a tão volúvel e indecisa emoção para me atrair e trair a mim mesmo. Juntos açoitavam a felicidade, diziam que ela era inútil e que em breve deixaria de existir. Eu não queria acreditar naquilo que via, estava perturbado, indeciso, em choque, arrasado. Então, a razão botou uma das mãos no meu ombro, convidou-me a olhar para a vaidade, além do que os olhos podem ver, olhar o que ela realmente era e não o que parecia ser; ponderar sobre os crimes que este “anjo” comete contra a sua e a felicidade alheia. E de maneira concludente, disse-me: Ela não merece viver! Vá, salve sua felicidade! No segundo seguinte a vaidade começou a desaparecer, o recipiente da futilidade, reduziu seu tamanho e o pote da felicidade que ficou em pedaços ainda a pouco, estava inteiro novamente, precisava agora buscar preenche-lo daquilo que é verdadeiro. A razão me sorriu e desapareceu. O egoísmo soltou um grito pela derrota e a felicidade começou a levantar-se, a existir.

Negar a vaidade não foi o único, mas foi um importante e primeiro passo, para preencher meu pote da felicidade, que hoje carrego embaixo dos braços, enchendo-o da essência da vida compartilhada em verdade com aqueles que amo.




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O pote de Thiago Cardoso é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-No Derivative Works 3.0 Brasil.

3 comentários:

nossa, Thi, muito bom o texto.
me lembrou teatro mágico e tudo mais que adoro.
enfim: fórmula certa, texto genial.
obrigada =*

 

nossa, Thi...impressionante...me deixou sem palavras, não sei nem o que te dizer. O texto é fabuloso! Parabéns mesmo por mais esta beleza literária!

 

adorei aqui viu tamo nessa ..um grande beijo

 

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